Kerouac 100

I had intended to mention, briefly, in this opening, the nature of the debt I incurred with Jack Kerouac long years ago, when at the end of On the Road I read that qualification of  Dean Moriarty as “the father we never found”. Maybe because although my father is still alive, and in spite of the fact he was always a good and loving father, I have always felt that Dean Moriarty was, also for me, “the father we never found”, at that age when we all need a second father, preferably almost our own age, preferably someone who will lead us to the other side of the mirror and away from the meek life. Professional burdens and personal contingencies, however, have conspired to rob me of the time that would allow me to state the reasons why, as director of the department of languages, literatures, and cultures, I am wholeheartedly behind this event. But that’s okay, because I believe this conference will be enlightening enough in itself. Because to celebrate Kerouac’s work is to celebrate an idea of writing as a crossing of this vast and unsettled continent that we mistakenly call life, and that we can only endure because we know it is a journey with a thousand paths, but no destination. And that is what great literature teaches us, even, or especially, when it does not wish to teach us anything – and thank God for that. Continue reading


REI ÉDIPO (1967), de Pier Paolo Pasolini

No texto do Rei Édipo, de Sófocles, que Pier Paolo Pasolini tratou com máxima liberdade no seu filme de 1967, após vazar os olhos Édipo afirma que o fez por ter deixado de ter prazer em contemplar os filhos, a cidade, com as suas muralhas, e as imagens sagradas dos deuses. E acrescenta que desejaria ter cortado também as orelhas se isso lhe garantisse deixar de ouvir. A frase é esta: “Houvesse ainda para a fonte dos sons uma barreira na senda dos ouvidos, e não me teria contido, sem aferrolhar o meu pobre corpo, para que fosse, além de cego, incapaz de ouvir; é doce para o espírito habitar longe dos seus males”[1]. O filme de Pasolini é a denegação, ponto por ponto, desta renúncia trágica ao mundo, já que, da infância à cegueira da velhice, o que permanece é o apelo da realidade primordial, ou melhor, e indo ao encontro do pensamento do cineasta, o apelo primordial da realidade. Esse apelo para cuja reprodução, como defendeu nos seus textos teóricos sobre o cinema, nenhuma linguagem existe mais bem apetrechada do que a linguagem do cinema, a que chamou “a língua escrita da realidade”, uma linguagem que “exprime a realidade com a realidade”[2]. A realidade primordial, neste filme, é a infância, o que é o mesmo que dizer, com Freud, autor que Pasolini leu toda a vida, o mundo turvo e perverso das origens ao qual, como se aprende lendo o Rei Édipo, é perigoso remontar. Continue reading


100 anos de Carlos de Oliveira

Que razão sustenta a celebração pública de um escritor, ou seja, de alguém que dedica a sua vida a peneirar as palavras da sua tribo para lhes conferir um sentido mais puro e assim acrescentar algumas histórias ao acervo da sua comunidade? A pergunta, e a razão ou razões que a sustentam, tem em Portugal um sentido especial, uma vez que o dia escolhido para celebrar a nação e as comunidades portuguesas pelo mundo, é igualmente o dia em que celebramos o maior dos nossos poetas. Este gesto, e esta coincidência, são suficientemente raros entre as outras nações para que consigamos resistir a atribuir-lhes algum sentido particular a nosso respeito. Continue reading


A fotografia, uma arte com cadastro, por Roberto Franco

Entre 1998 e 2001 o site Ciberkiosk, fundado e produzido em Coimbra – arduamente, dada a inexistência do que viriam a ser depois os templates, que permitem hoje dar por adquiridos uma série de requisitos que então tinham de ser gerados para cada texto e número do site-jornal -, mas com colaboradores por todo o país e, depois, pelo estrangeiro, com destaque para Espanha e Brasil, foi uma experiência inesquecível naquilo que era então o continente ainda misterioso da hiper-mediação proposta pelo mundo digital. O Ciberkiosk, ou simplesmente Kiosk para os mais próximos, aproximou gente de várias latitudes geográficas e intelectuais e marcou brevemente essa época em que o digital parecia apenas acrescentar possibilidades, coisa que entretanto percebemos não ser exata, já que a ecologia do digital se revelou também altamente destrutiva, como sucede com todas as revoluções. Na fase inicial do Ciberkiosk, quando os colaboradores ainda eram em número reduzido, assinei alguns textos com pseudónimos, distribuindo-os por várias disciplinas. Recupero aqui um desses textos, sobre fotografia, assinado por Roberto Franco (nome inspirado em Robert Frank, que uma tarde vi, incrédulo, na Rua Ferreira Borges, no contexto dos Encontros de Fotografia de então), no nº 1 do Ciberkiosk, de março de 1998.


1. No Porto, e após um longo folhetim «camiliano», o Centro Nacional de Fotografia estreou as suas actividades com duas exposições no edifício da antiga Cadeia da Relação, local que a partir de agora albergará regularmente as exposições promovidas pelo Centro.

O edifício da Cadeia da Relação é, como se sabe, um espaço mítico. Todas as cadeias o são, pelo que pressupõem da suspensão do tempo de que se faz o mito. A cadeia é a redoma em que a cidade preserva o inominável, preservando-se a si mesma (ou julgando fazê-lo) nesse gesto. Mas a cadeia é também um poderoso dispositivo hermenêutico das sociedades com que convive. Ela dá-nos a ler a historicidade da moral e dos valores, o relativismo da justiça e a naturalização da crueldade. De certo e inadmissível modo, necessitamos dela para nos conhecermos enquanto animais morais, sociais e políticos. Como se vê na regressão global do pensamento judicial contemporâneo em matéria prisional, nela se concentram o nosso optimismo ou, hoje, o nosso cepticismo sobre nada mais nada menos do que a natureza humana. A cadeia é, pois, o nosso mais impiedoso photomaton: ela fala por nós. Continue reading


Conferências do Cinquentenário da Teoria da Literatura: discurso de abertura

[Discurso lido na abertura das Conferências do Cinquentenário da Teoria da Literatura de Vítor Aguiar e Silva, na Sala de S. Pedro da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra]

Reunimo-nos hoje aqui, e de novo no próximo dia 15 de dezembro em Braga, para celebrar os 50 anos de um livro cujo título coincide com uma disciplina definidora das Humanidades novecentistas, quer as tomemos no sentido estrito de estudos literários e filológicos, quer no sentido lato de disciplinas que estudam textos, formas de escrita, inscrição, disseminação de sentido e leitura, já que todas elas sofreram o impacto da Teoria da Literatura. O livro que aqui nos traz teve a grande virtude de saber ser mais do que um livro (e muito mais do que um manual) ao longo destas cinco décadas, mudando pela própria exigência e pressão das circunstâncias de produção e circulação de conhecimento, mas também pela insatisfação permanente e pelo espírito de inquirição que sempre animaram o seu autor, um académico dividido entre a vertigem do acesso às fontes e a consciência de que a ciência, em particular a ciência normal, exige também a capacidade, ao alcance apenas de alguns raros, de produzir terraplanagens para assim abrir panoramas que nos permitam contemplar e situar todo um campo do saber. Mas a Teoria da Literatura de Vítor Aguiar e Silva foi mais do que um livro, não apenas por ter evitado cristalizar na sua primeira versão – e sim por ter coincidido, em grande medida, entre nós mas não apenas (lembro o impacto da obra no Brasil e na Espanha e na hispano-América), com a disciplina a que foi buscar o nome, e de que se tornou, no mundo universitário que referi, metonímia. Por isso mesmo, é difícil falar deste livro sem falar de muitas coisas que se situam além dele, mas de que ele participa, ao menos em parte: o devir dos estudos literários em geral; o devir da Teoria da Literatura no seu transcurso já secular; a relação entre a Teoria da Literatura, como disciplina moderna, e o seu ascendente clássico, a Poética; a relação entre a Teoria da Literatura e as Humanidades; a epistemofilia que se apoderou dos estudos literários na esteira da Teoria da Literatura; o reforço das exigências da disciplinaridade e, ao mesmo tempo, o imperativo da interdisciplinaridade; as grande ambições (e, acima de todas, as da semiótica e do estruturalismo) e a humildade de quem sabe que no início, e no final de tudo, há sempre um texto e um leitor em luta com ele; enfim, a experiência da sala de aula, o verdadeiro locus do humanista, e o impacto da Teoria no Ensino. Continue reading


Vítor Aguiar e Silva: 50 anos depois

Tem hoje lugar, na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a primeira sessão das “Conferências do Cinquentenário” que assinalam os 50 anos de publicação da Teoria da Literatura de Vítor Aguiar e Silva. Transcrevo o texto de referência do evento:

Em 1967 e, numa primeira ocorrência, em fascículos, foi editada em Coimbra, pela Livraria Almedina, a Teoria da Literatura, de Vítor Aguiar e Silva. Reeditada desde então, profundamente repensada a partir da 4ª edição, de 1981, editada no Brasil e traduzida para espanhol, a obra, que viria conhecer um significativo impacto no Brasil e no mundo hispânico, confunde-se com a história da disciplina introduzida nos curricula universitários portugueses com a reforma de 1957, vindo também a produzir efeitos no ensino da literatura nas Escolas Secundárias do país. Embora o seu autor tenha publicado depois uma série de obras de referência, quer no domínio da teoria da literatura, quer no dos estudos camonianos, dos estudos sobre o maneirismo e o barroco, ou sobre as humanidades, a Teoria da Literatura permanece a obra à qual o seu nome é de imediato associado.

As universidades de Coimbra e do Minho associam-se numa comemoração, que aspira a ser um momento de exigente reflexão académica, dos 50 anos da 1ª edição da Teoria da Literatura, de Vítor Aguiar e Silva. As Conferências do Cinquentenário, distribuídas por duas sessões nas duas universidades, a 16 de novembro em Coimbra e a 15 de dezembro em Braga, discutirão as grandes questões colocadas pelo livro e pela obra de Vítor Aguiar e Silva no domínio da Teoria da Literatura e da sua relação com as Humanidades. O temário a explorar será o seguinte:

1) A Teoria da Literatura entre os livros de Vítor Aguiar e Silva

2) As várias Teoria(s) da Literatura de Vítor Aguiar e Silva

3) A Teoria da Literatura hoje

4) A Teoria da Literatura ao longo destes 50 anos

5) Os estudos literários depois da Teoria da Literatura

6) A Teoria da Literatura e as Humanidades

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