Dos usos do Jardim Botânico

Apercebi-me não há muito tempo de que não existe provavelmente um único banco confortável no Jardim Botânico. Em todos eles a ergonomia do assento deixa a desejar: ripas demasiado separadas ou desniveladas, ondulação provocada pela acção dos elementos, a harmonia que falta entre assento e costas: quando uma dessas partes do banco nos acolhe, a outra parece mostrar-nos a face da sua indiferença, ou mesmo desprezo. No dia em que a suspeita me tomou, regressei ao jardim e verifiquei demoradamente os bancos um a um. Experimentei assim bancos que nunca usara até então – e que desconfio não voltarei a usar – e apercebi-me de que na verdade só usara ao longo da minha vida uma meia dúzia deles, nos lugares da minha eleição: o patamar abaixo da estufa e logo acima do quadrado central, de um lado e do outro, a alameda das tílias, o primeiro patamar (as «Jardinetas») quando se sobe da alameda para a saída do lado do infantário João de Deus. Apercebi-me também da devastação que foi tomando conta dos bancos, patente na sua pura e simples eliminação de vários lugares que sem eles me parecem agora incompletos. O mundo – é apenas uma questão de tempo – vai repelindo a nossa memória. Continue reading