[Discurso lido na abertura das Conferências do Cinquentenário da Teoria da Literatura de Vítor Aguiar e Silva, na Sala de S. Pedro da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra]
Reunimo-nos hoje aqui, e de novo no próximo dia 15 de dezembro em Braga, para celebrar os 50 anos de um livro cujo título coincide com uma disciplina definidora das Humanidades novecentistas, quer as tomemos no sentido estrito de estudos literários e filológicos, quer no sentido lato de disciplinas que estudam textos, formas de escrita, inscrição, disseminação de sentido e leitura, já que todas elas sofreram o impacto da Teoria da Literatura. O livro que aqui nos traz teve a grande virtude de saber ser mais do que um livro (e muito mais do que um manual) ao longo destas cinco décadas, mudando pela própria exigência e pressão das circunstâncias de produção e circulação de conhecimento, mas também pela insatisfação permanente e pelo espírito de inquirição que sempre animaram o seu autor, um académico dividido entre a vertigem do acesso às fontes e a consciência de que a ciência, em particular a ciência normal, exige também a capacidade, ao alcance apenas de alguns raros, de produzir terraplanagens para assim abrir panoramas que nos permitam contemplar e situar todo um campo do saber. Mas a Teoria da Literatura de Vítor Aguiar e Silva foi mais do que um livro, não apenas por ter evitado cristalizar na sua primeira versão – e sim por ter coincidido, em grande medida, entre nós mas não apenas (lembro o impacto da obra no Brasil e na Espanha e na hispano-América), com a disciplina a que foi buscar o nome, e de que se tornou, no mundo universitário que referi, metonímia. Por isso mesmo, é difícil falar deste livro sem falar de muitas coisas que se situam além dele, mas de que ele participa, ao menos em parte: o devir dos estudos literários em geral; o devir da Teoria da Literatura no seu transcurso já secular; a relação entre a Teoria da Literatura, como disciplina moderna, e o seu ascendente clássico, a Poética; a relação entre a Teoria da Literatura e as Humanidades; a epistemofilia que se apoderou dos estudos literários na esteira da Teoria da Literatura; o reforço das exigências da disciplinaridade e, ao mesmo tempo, o imperativo da interdisciplinaridade; as grande ambições (e, acima de todas, as da semiótica e do estruturalismo) e a humildade de quem sabe que no início, e no final de tudo, há sempre um texto e um leitor em luta com ele; enfim, a experiência da sala de aula, o verdadeiro locus do humanista, e o impacto da Teoria no Ensino. Continue reading