Em 2011, ou seja, há 10 anos, a pretexto dos 33 anos da publicação de Finisterra. Paisagem e Povoamento, de Carlos de Oliveira, reuniram-se em Coimbra, por convite meu e sob a égide do Centro de Literatura Portuguesa, cinco investigadores para uma jornada sobre a obra. A data não redonda, porventura esotérica, mostra bem que se tratava de reunir alguns “maluquinhos de Finisterra”, no caso Manuel Gusmão, Nuno Júdice, eu mesmo, Pedro Serra e Luís Mourão. Do livro depois publicado não consta a comunicação de Manuel Gusmão, já que o seu texto fora entretanto deslocado para o importante volume que dedicou a Finisterra naquela data, com o título Finisterra. O Trabalho do fim: recitar a Origem, livro publicado na editora Angelus Novus e logo depois premiado.
A jornada, bem como o volume dela resultante, levou o título de Depois do Fim. Nos 33 anos de Finisterra. Paisagem e Povoamento, de Carlos de Oliveira. Na minha apresentação do volume, com o título “O meu fim é o meu começo”, invoco esse conhecido verso e comento que “de Machaut a Eliot ou a Carlos de Oliveira, o fim parece ser indissociável da questão do ‘depois do fim’, ou melhor, de um depois do fim tematizado como uma necessária figura do recomeço” (p. 9). E, a propósito do lugar do romance na obra de Carlos de Oliveira, evoco um episódio que me fora contado por Ângela de Oliveira: “Pouco tempo após a edição de Finisterra. Paisagem e Povoamento, Carlos de Oliveira foi visitado por Eduardo Lourenço, no que seria o último episódio de um encontro cujo episódio inicial terá ocorrido na cidade de Coimbra e na Faculdade de Letras da sua universidade, três décadas e meia antes. A certa altura da conversa, Eduardo Lourenço terá perguntado a Carlos de Oliveira: ‘E depois de Finisterra, Carlos?’ Ao que o autor terá respondido: ‘Depois de Finisterra, nada. Acabou.’” (id.)
O texto que o Luís Mourão apresentou à jornada tem o título “O Fim in medias res”, um título que é todo um programa. Uma boa parte do texto é ocupada com uma longa reflexão do Luís sobre a questão do romance contemporâneo português, ou melhor, sobre a questão ou possibilidade da ocorrência do contemporâneo no romance português do século XX (uma questão que sempre habitou a sua alma de “ensaísta do romance português”). A leitura que propõe de Finisterra, a mais historicista e a menos historicista das que o volume integra, é daquelas que fazem pensar longamente e que revelam a que ponto a obra em causa é um dispositivo de produção de pensamento para leitores disponíveis, como era (sempre) o caso do Luís. No início da secção 4 do ensaio, intitulada “O que vem depois do fim”, o Luís afirma: “Em todo o caso, o mais fácil de esquecer em qualquer declinação do problema do fim é que ele seja in medias res. A tentação apocalíptica, mesmo em versões comedidamente seculares, parece impor-se com a naturalidade de quem se sente obrigado a sublinhar um certo ponto limite” (p. 38). E, para se opor a essa “tentação apocalíptica”, o Luís elenca em seguida “três formas de continuar a ler Finisterra depois do fim”. A certa altura, numa espécie de Post Scriptum não declarado, pois essa parte não constava obviamente da comunicação que apresentou à jornada, o Luís reporta-se ao meu texto introdutório ao volume e ao episódio biográfico com Eduardo Lourenço – mas para manifestar a sua discordância interpretativa. Nesse momento, o leitor percebe (pelo menos, eu assim o percebi de imediato ao ler) que a “tentação apocalíptica, mesmo em versão comedidamente secular”, era minha – no que, obviamente, ele estava certo. Para afastar a tentação, o Luís propõe, como disse antes, formas não apocalípticas de ler Finisterra. Por exemplo: “Depois do fim de Finisterra, vem reler Finisterra sem em algum momento invocar a questão do fim” (p. 38). Acrescentando de imediato: “Tarefa impossível, claro”. Ou ainda: “Depois do fim de Finisterra, vem reler o romance português contemporâneo que lhe é anterior como retroativa e verdadeiramente contemporâneo” (p. 41). Ou, por fim: “Depois do fim de Finisterra, vem continuar a ler, porque se continuou a escrever depois do fim de Finisterra” (p. 43). Neste ponto o Luís adianta exemplos: José Luís Peixoto (o Luís sempre foi mais generoso do que eu) e Gonçalo M. Tavares. E conclui, num grande momento teorético: “Dizer que se continuou a escrever depois do fim de Finisterra é afirmar que há obras que nos fizeram falar de um modo diferente do que até aí tínhamos sido capazes de fazer, e que essa diferença não é retrospetivamente encontrável em Finisterra” (id.). Continue reading