John Mercy & The Dead Beats: West of the American Night

Com este concerto, encerram-se as comemorações do centenário de Jack Kerouac protagonizadas pela Secção de Estudos Anglo-Americanos do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas desta Faculdade de Letras. E encerram-se deste modo porque a articulação de texto e música atravessa e define toda a Beat Generation, como pudemos ver mesmo no final do concerto no vídeo da espantosa leitura, pelo próprio Kerouac, da última frase de On The Road, com acompanhamento musical.

Quando convidei o João Rui, aliás John Mercy, a fazer alguma coisa em torno de On The Road para este dia, a sua primeira reação, tenho de confessar, não foi muito entusiástica, tendo o João pedido uns dias para pensar no assunto. Passou quase uma semana e, de repente, comecei a receber sms e mails em catadupa. Nessas mensagens, e para resumir, John Mercy confessava não apreciar a modalidade hoje popular da spoken word ou da leitura com música, no fundo por ser essa uma modalidade, em seu entender, desprovida de forma. E como a forma por excelência da articulação entre texto e música é a canção, o que ele propunha era um conjunto de canções a partir do romance de Kerouac – um conjunto de canções que pudesse vir a dar um disco, a forma (e a duração) por excelência da música na era da reprodução. As mensagens vinham aliás acompanhadas de uma sinopse das canções a extrair do livro e também já do espetáculo. Como bónus, uma demo da primeira canção, “Holding On”, que achei belíssima.

Depois, a criança foi crescendo e confesso que fui ficando com medo de não ter meios para responder, o que foi e é um facto, valendo a colaboração do TAGV, que se veio a revelar decisiva para este espetáculo, que encerra da melhor maneira esta evocação do escritor Jack Kerouac, um escritor que ajudou tanta gente, eu incluído, a sonhar com uma outra vida, mais intensa e mais livre. Quero, pois, manifestar todo o meu reconhecimento, em nome do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas, a John Mercy, pela conceção de tudo isto, pela formação da banda extraordinária que o acompanhou hoje e, já agora, por gostar de livros e, em particular, de livros da literatura norte-americana (ou não tivessem, ele e a Daniela, um cão chamado Steinbeck). Tenho consciência de que o que John Mercy nos deu, aos leitores e aficionados de Kerouac, aos habitantes desta Faculdade e aos utentes deste teatro, não tem retribuição possível, pois este foi um ato de uma infinita generosidade. Por isso mesmo, o meu muito obrigado. Peço o vosso aplauso para John Mercy.

Quanto aos Dead Beats, que como todos percebemos estão na verdade alive and kicking, permitam-me que comece por assinalar a presença hoje aqui, neste palco, do grande e lendário Victor Torpedo, que para toda esta banda, e para muitos outros bandos de gente nesta cidade, funciona, creio, como o Dean Moriarty do On the Road de Kerouac. Há já algumas décadas um conjunto intrépido de músicos de Coimbra, entre os quais Victor Torpedo, mostrou que não tem de haver diferença entre ser um músico de Coimbra e ser ao mesmo tempo um músico do vasto mundo, desde que se esteja disponível para responder ao apelo da estrada. Esses músicos, que hoje já são duas gerações, fizeram com que Coimbra não fosse nunca mais Coimbra, e pelo que me toca só lhes posso agradecer isso. Peço, pois, as vossas palmas para Victor Torpedo.

E peço também o vosso aplauso para Raquel Ralha e Tracy Vandal, as vozes que ao longo destes anos têm cantado as palavras e os versos de todas as bandas em que se tem desdobrado a criatividade, e o fortíssimo espírito de grupo, de todos estes músicos. Peço ainda o vosso aplauso para Miguel Cordeiro, nas teclas, para Pedro Antunes, no baixo, e Luís Formiga, na bateria, que teceram a estrutura rítmica, e não apenas, da música que ouvimos.

Deixei para o fim a Susana Ribeiro, por uma razão apenas. É que a Susana foi estudante desta casa, e foi mesmo minha estudante (coitada da Susana). Garanto que a Susana não aprendeu a tocar violino comigo – eu é que aprendi com ela, e com tantas e tantos outros, que cada estudante transporta consigo um destino que, após se cruzar muito brevemente connosco, professores, vai por aí fora, deixando a sua marca no mundo. Todos pudemos hoje sentir a marca que o violino da Susana deixa em nós e como o mundo fica uma coisa menos imperfeita depois de ouvirmos o seu violino. Muito obrigado, Susana. Peço as vossas palmas para ela.

Como puderam ver também, as canções deste concerto foram acompanhadas por um fluxo belíssimo de imagens de vídeo montadas por Luísa Neves Soares. Peço à Luísa que suba ao palco para podermos manifestar-lhe o nosso reconhecimento pelo seu trabalho e pelo seu talento. Agradeço também a todas as pessoas que participaram no espetáculo com as suas leituras, a Raquel, a Tracy, a Margarida, a Isa, a Polina (ou melhor, a todas as pessoas menos a uma). Agradeço também a todos os técnicos que permitiram a realização deste espetáculo.

Por fim, o meu agradecimento a duas entidades sem as quais nada disto teria sido possível. À Direção da FLUC, na pessoa do Sr. Diretor, Professor Albano Figueiredo, que deu todo o apoio a esta iniciativa. E ao Teatro Académico de Gil Vicente, na pessoa do seu diretor, o Professor Fernando Matos Oliveira, que aceitou partilhar as responsabilidades e os custos da montagem deste espetáculo.

Muito obrigado, pois, a todas as pessoas que tornaram este espetáculo possível. E muito obrigado a todas as pessoas que vieram esta noite ao Teatro Paulo Quintela. Voltem sempre.

[Texto lido no encerramento do concerto “On The Road: West of the American Night”, por John Mercy & The Dead Beats, no Teatro Paulo Quintela da FLUC, a 28 de outubro de 2022]