“Or would you rather be a fish?”: sobre ‘Paterson’, de Jim Jarmusch

1. Paterson abre com um plano, e uma cena, de Paterson (a personagem) a acordar, de manhã, na cama com a mulher. O primeiro dia é Monday, e o filme inscreve-o na imagem, naquele registo caligráfico que sugere uma entrada de diário. Começa a semana e começa o filme e começa o diário. O plano e a cena regressam ao longo dos sete dias do filme, em regime de variação (um termo explicitamente usado por Jarmusch em entrevistas sobre o filme), assegurando quer o recorte interno de um bloco diário, quer a continuidade sobre que se estrutura o filme: rotinas diárias, formas de vida, práticas de escrita e de inscrição matérica: os poemas que Paterson escreve no seu caderno, os círculos, traços e manchas a preto e branco que a sua mulher vai pintando pelas superfícies da casa e, por fim, nos cupcakes que leva à feira. Note-se, a propósito disto, que este é um admirável filme sobre o amor (o primeiro poema intitula-se, aliás, “Love Poem”) e, mais ainda, sobre o amor entre duas pessoas particularmente criativas, ainda que com uma diferença: Paterson é um poeta e toda a sua pulsão criativa é canalizada para um meio reconhecível, estável e anacrónico, o seu caderno; a mulher de Paterson, contudo, é uma artista multidisciplinar cujo meio favorito de expressão é a sua casa – mas não apenas, já que a certa altura compra uma guitarra para tentar realizar o seu sonho de ser uma estrela da country –, casa sobre a qual opera com uma tenacidade a um tempo expansiva e muito focada, já que o seu vocabulário é minimalista: preto e branco, círculos e traços.

O quotidiano é o mundo a partir do qual ambos operam, mas se em Paterson tudo se joga num caderno que será ou não um livro de poemas, na sua mulher a casa aspira à instalação e o seu melhor paradigma seria o Merzbau de Kurt Schwitters. 

Paterson, personagem, vive em Paterson, cidade, coincidência aqui e ali notada por outras personagens, em regime mais ou menos irónico. E vive, ainda, no poema Paterson, de William Carlos Williams, poeta que é a sua obsessão pessoal e no qual tudo começa e acaba. Mas isso, a auto-reflexividade irónica mas não cerebral, não obsta a um poderoso subtexto político, que nos apresenta a cidade de Paterson como uma comunidade fortemente multicultural (um ponto destacado por Sérgio Dias Branco, em crítica publicada no Avante) cujo contrato social é enunciado exemplarmente pelo condutor de autocarros de nome Paterson: ouvir (ou melhor, escutar), num regime de curiosidade não invasiva, exatamente como um condutor de autocarros que vai discretamente conhecendo aqueles que conduz, dispondo-se a acolher a heterogeneidade dos discursos dos seus passageiros. O condutor de autocarros seria aqui o ponto de apoio de uma alegoria cartográfica da Cidade enquanto posicionalidade infixa. Uma outra versão desse ponto de apoio de uma tal cartografia seria o dono do bar que Paterson todas as noites visita, mas que contudo não consegue atingir a dimensão de emblema do condutor de autocarros. Paterson seria, assim, a América na qual o outro não é codificado a priori como perigo, o que colocaria o condutor de autocarros no ponto simetricamente mais afastado desse outro condutor chamado Donald Trump. E o seu mandamento político poderia ser reportado a um título também ele emblemático de George Michael: Listen without Prejudice.

2. Mas Paterson é um condutor de autocarros que é um poeta, e isso coloca a questão da escuta num plano particular. A excecionalidade da situação deve ser lida em regime irónico em relação à tópica do Vate que condensa no seu verbo o desejo coletivo: uma versão secularizada, tardia e “encolhida” do poeta como guia. Mas “desencantada”? Não parece, e aí a referência a William Carlos Williams ganha toda a sua amplitude: trata-se antes de propor um reencantamento cujo melhor exemplo poderia ser o primeiro poema, cujo motivo é uma caixa de fósforos que Paterson manuseia enquanto toma o pequeno-almoço (como quem sente e interroga um objeto) e que, ao longo do poema, vai ganhando as ressonâncias que a poesia acrescenta ao mundo (neste acaso, o mundo dos objetos).

Tudo pode, pois, ser ocasião de um reencantamento, nada é a priori ínfimo, sobretudo o mais humilde – em contrapartida, talvez se possa também afirmar que, e esse seria o preço a pagar por toda uma linhagem moderna (neste caso, a do imagismo), nada aspira já à condição do sublime.

O trabalho de escuta de Paterson manifesta-se também na atenção que dedica às formas da arte da palavra. Numa sequência enigmática, Paterson encontra uma menina que lhe lê um poema do seu caderno (um outro diário), poema estruturado em torno de uma imagem – o cabelo que cai pelos ombros como uma cascata – cuja força ressoa por algum tempo na mente do condutor de autocarros: em nenhum momento, o facto de a autora ser uma criança parece diminuir, para Paterson, o interesse no texto, que imediatamente elogia, sem vestígio de condescendência. Numa outra cena, no seu passeio noturno, Paterson escuta, escondido, um rapper que, numa lavandaria, acompanhado apenas pelo ruído do ciclo da máquina da roupa, debita as suas rimas. E de novo Paterson intervém no final para elogiar o que acabou de ouvir. O nome de todas estas ocorrências da escuta, as que ocorrem no autocarro e no bar, ou as que envolvem a menina e o rapper, podia ser democracia, uma democracia enquanto pura disponibilidade de escuta. Mas também democracia enquanto crítica política da própria noção de evento, pois o que está em causa neste filme em que quase nada acontece é que justamente esse quase nada da vida de todos os dias seja elevado ao estatuto de evento por meio da atenção que transforma um quase nada numa quase epifania.

3. A mulher de Paterson insiste com ele para que faça uma cópia do seu caderno, com receio de que os poemas se percam. Embora renitente, Paterson acaba por aceder a fazer a cópia no fim de semana seguinte. Percebemos que Paterson duvida, ou hesita, sobre o estatuto do caderno, que não parece ir além de um registo mais ou menos diário dos poemas que lhe surgem. O caderno é mais ou menos um diário e a hesitação de Paterson resulta, provavelmente, da desnecessidade de resgate daquilo que se destina meramente a resgatar o dia a dia. Por outras palavras, o caderno-diário não constitui Paterson como autor, mas tão-só como escrevinhador, razão pela qual ele não se consegue convencer a reproduzi-lo.

Note-se que todo o filme acentua uma conceção não-metafísica da escrita, já que o poema que ouvimos Paterson a ler – e a leitura nunca é fluente, parecendo antes acompanhar a velocidade e hesitações da escrita – surge ao mesmo tempo escrito/inscrito na imagem, acompanhando na sua progressão a voz que o diz. Mais ainda, o poema não é dado de uma vez, como algo que existe in mente, surgindo a fixação escrita como coisa derivativa ou secundária. Vejamos o caso do primeiro poema, motivado por uma caixa de fósforos. Paterson sai de casa e, enquanto caminha, vai dizendo mentalmente os dois primeiros versos. Quando se senta no autocarro, antes de arrancar, escreve no caderno os versos e um terceiro. Só nessa altura a leitura é suplementada pela inscrição dos versos na imagem, que por sua vez suplementam a inscrição dos mesmos versos no caderno. Chega então o seu superior e Paterson fecha o caderno pois o dia de trabalho começa. O poema é, por fim, escrito na íntegra na pausa para almoço, num espaço a que Paterson regressará no final, quando está tomado de uma dúvida existencial sobre a sua condição de poeta: nessa altura ouvimos e lemos o poema completo e a montagem reforça todo o alcance da imagem do fósforo que arde.

O poema nasce, pois, e progride com dificuldade, e essa progressão estabelece o fio narrativo do filme, desde logo porque assistimos ao seu desenrolar na própria imagem, na forma da escrita caligráfica que mima (representa) a escrita do poeta no seu caderno.

O dia começa sempre com aquele momento em que Paterson, antes de sair no autocarro, já no seu lugar de condutor, escreve o começo de um poema, atividade sempre interrompida por essa versão paródica do “homem de Porlock” de Coleridge que é o funcionário que gere os fluxos de saída e chegada dos autocarros: um homem cheio de problemas, tão pesados que não chega a conseguir verbalizá-los, num cómico metafísico involuntário.

Paterson, ao invés dessa atitude metafísica (a de alguém tão tomado pela desmesura da sua vida que não vai além de um tartamudear), insiste na prática da verbalização, inscrevendo-a na sua própria rotina laboral: o dia começa com um ato de escrita interrompida, estabelecendo um vínculo (quase) necessário entre escrita e interrupção: a escrita interrompe o mundo mas é, por seu turno, interrompida por ele, recomeçando sem cessar e sofrendo interrupções até ao fim. Ou seja, até que o poeta consegue, enfim, escrever o poema inteiro.

4. No sábado em que se comprometera a ir fazer uma fotocópia do caderno, Paterson vê-se na necessidade de substituir a mulher, que vai vender os seus cupcakes a uma quermesse, numa peculiar lide doméstica: passear Marvin, o cão que é uma das personagens inesquecíveis do filme. Marvin tem vontade própria, nem sempre aceita os percursos que Paterson impõe e, como é manifesto, não aprecia ser deixado todas as noites à porta do bar em que Paterson pratica a sua oração noturna: a cerveja diária. A quermesse é um triunfo, a mulher de Paterson propõe que saiam a jantar fora e a ver um filme com o dinheiro ganho nesse dia. Marvin fica em casa, visivelmente contrafeito, já que perde o seu passeio noturno. Quando o casal regressa, depara-se com o espetáculo do caderno desfeito em mil pedacinhos pela fúria ciumenta de Marvin, que os contempla, impávido e gozando a sua desforra. A mulher pergunta a Paterson se fez a cópia prometida, ele explica que não, pois teve de se ocupar de Marvin. A mulher entrega-se então à tarefa de recolher todos os pedacinhos do caderno, sugerindo que talvez seja possível reconstituir os poemas estraçalhados, quem sabe se com a ajuda de um poderoso programa de computador…

Paterson entra num mutismo profundo, que Jarmusch regista naqueles planos que definem a sua arte de um cinema do não ou do quase-evento.

A primeira constatação que nos interessa, então, é que o desinvestimento de Paterson na reprodução do seu caderno é posto em xeque retroativamente no momento da sua destruição. O seu estatuto como sujeito é questionado, de forma tão intensa quanto, para ele, imprevista naquele momento, o que faz com que a sua definição como “condutor de autocarros” não pareça ser já bastante. Quando se levanta, no dia seguinte, domingo, Paterson desce à cave que funciona como o seu escritório, senta-se à secretária e percorre com o olhar os livros que, na fila em cima da secretária, definem o seu cânone poético, detendo-se de novo em William Carlos Williams, em particular nos Collected Earlier Poems, que segura na mão por momentos. A eleição da juvenília de Williams nesse momento crítico é decisiva para a autocrítica do sujeito Paterson, pois trata-se, de novo, da constituição retroativa da figura do autor: o que Paterson intui, elegendo a juvenília de Willliams, é que são volumes como esse que produzem uma figura autoral, na medida em que inscrevem tudo o que ele escreve, desde a juventude, sob o signo do livro, da publicação e, logo, da Obra, como se nada possa permanecer exterior a ela, para que haja efetivamente autor. A perda do caderno da sua juvenília, enquanto possibilidade de publicação, faz então toda a diferença para que Paterson possa ser, não apenas o poeta que é, com livro publicado ou não (e a nossa esperança, não apenas literária mas social e política, é que abundem na nossa cidade poetas não publicados e sem vontade de o ser), mas um autor, coisa para a qual se torna indispensável publicar.

A cena decisiva, porém, tem lugar quando reencontramos Paterson, ainda em choque, no mesmo domingo, num parque (o Paterson Great Falls National Historical Park), em atividade de contemplação que é, ao mesmo tempo, de morte da bezerra.

Aproxima-se então um japonês que lhe fala de William Carlos Williams, de Paterson, o livro, de Frank O’Hara e Allen Ginsberg, enfim, de poesia. O japonês é poeta, não traduzido, e constata que o seu interlocutor sabe do que ele fala. O japonês pergunta a Paterson se ele é também poeta, ao que este responde, com uma leve hesitação, que não, definindo-se em seguida como um condutor de autocarros. O japonês suspeita da resposta (produz a esse respeito uma interjeição algo irónica – Ahah!! – que repete, acentuando a suspeita) e, ao despedir-se, deixa uma prenda ao não-poeta: um caderno em branco. No seu inglês peculiar, o caderno é oferecido com o seguinte comentário: “Sometimes empty page presents most possibilities”, um velho mantra da criação poética e, mais latamente, da escrita. Paterson recebe o caderno, o japonês despede-se, a certa altura volta-se para trás e repete a interjeição (“Ahah!”), como num programa de Apanhados, e Paterson, apanhado efetivamente pela prenda, pega na caneta, olha em frente como quem mergulha em si – Jarmusch resolve magnificamente esta cena de imersão com um leve travelling sobre o eixo que nos vai aproximando do rosto do poeta – e começa a escrever o poema “The line”: “There’s an old song / my grandfather used to sing / that has the question, / “or would you rather be a fish?” // In the same song / is the same question / but with a mule and a pig, / but the one I hear sometimes / in my head is the fish one. / Just that one line. / Would you rather be a fish? / As if the rest of the song / didn’t have to be there.” Ao longo da leitura do poema (a produzida por Paterson e a nossa), a cena inicial é substituída pelo caminhar do poeta e, por fim, pelo plano que abre e fecha o filme: o casal a dormir e o momento do acordar. É de novo segunda-feira, o filme acaba.

O que mudou, entretanto? Digamos que Paterson percebeu que não está ao seu alcance não ser poeta (não pode deixar de o ser), tal como não podemos preferir ser um peixe. Ao recomeçar a escrita do caderno, por uma interferência externa simétrica à do seu matinal “homem de Porlock”, que lhe permite suspender a interrupção da escrita, Paterson percebe que não é apenas um condutor de autocarros e que boa parte do seu destino se joga na escrita de versos, “lines”, que tornam dispensável boa parte do resto. Em relação às alternativas que são a mula e o porco, mais próximos do nosso mundo da vida, o peixe parece exprimir uma impossibilidade (não respiramos debaixo de água) e um imperativo (o da imersão no que somos mais profundamente). Percebendo isso, o resto do poema torna-se dispensável, tal como tantas coisas da vida se tornariam dispensáveis no momento em que nos encontrássemos. Perceber isso, porém, é perceber que o caderno diário não basta para que o poeta se torne autor: este pode permitir-se não abandonar esse meio anacrónico que é o caderno, mas sabe agora que todo o caderno necessita de se tornar reprodutível, isto é, de ser livro, para que haja autor – exatamente como o poeta de Paterson, William Carlos Williams, necessita da sua juvenília, os seus Collected Earlier Poems, para ser um autor completo e, digamo-lo assim, maior.

5. Num filme também recente de Manuel Mozos, Ramiro, de 2015, a personagem central, alfarrabista e poeta bissexto, escreve um novo livro de poemas num caderno. Numa noite, porém, em que se encontrava mais embriagado, é assaltado por dois meliantes que lhe roubam a pasta que, entre outras coisas, albergava o seu caderno. Na cena mais hilariante do filme, no corredor do hospital, Ramiro surge com um colar ortopédico ao pé da insofrida namorada que, suspeitamos nós, nunca chega a concretizar o seu desejo, o que de resto definiria Ramiro como criatura que não depende do desejo – e que, por outro lado, enquanto alfarrabista que não vende e afugenta clientes, pode ser visto como emblema de uma posição global de descaso pelo mundo digital, e pelo “moderno”, bem como de crítica (uma radical crítica pela indiferença) do capitalismo tardio que é o nosso. Ramiro lamenta-se: “Roubaram-me o caderno”. A namorada, rapariga moderna, comenta ansiosamente como quem pede uma confirmação: “Tens backup?!” Ao que o marciano Ramiro retorque: “Tenho o quê?!” Na última cena do filme, na Feira da Ladra, Ramiro reencontra um dos assaltantes, que vende a sua mala de cabedal e o seu caderno. Ramiro recupera o caderno, por 1 euro, o que poderia ser a mais valia do manuscrito poético na era do tecnocapitalismo.

A diferença entre Paterson e Ramiro é que o segundo é já poeta publicado e, na franja marginal da poesia, e da sua versão da poesia e do mundo dos livros, é mesmo, podíamos dizer, um autor de culto. Paterson não dispõe de backup, como Ramiro, mas ao contrário daquele não é um autor e hesita longamente sobre a possibilidade de o ser (ao contrário da sua mulher, cuja autoria não cessa de expandir o seu raio de afirmação, da casa à country e aos cupcakes). É preciso que reconquiste o caderno em branco (uma diferença significativa em relação a Ramiro), para que possa recomeçar a escrever, do zero, dir-se-ia, ainda que muito incorretamente, já que tal nunca sucede. Escrita e reescrita confundem-se necessariamente face à destruição do caderno, mas o primeiro poema do Paterson autor futuro não é uma recuperação de algo que estaria já fixado na sua mente, e sim a revelação ética, mas também ontológica, da impossibilidade de escolher. Paterson percebe, por fim, que a reprodução do caderno é uma fatalidade (na aceção portuguesa e na inglesa) e que pretender evitar a reprodução, ou a publicidade, é trair o meio que perfilha: o caderno, a escrita, a poesia, essa forma de mediação e circulação entre o privado e o público. Essa máquina de produzir autores e culto.


[Texto apresentado à 1ª sessão do “Seminário Aberto: Escrita e Imagem”, a 11 de outubro, na FLUL]

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